Rick's Cinema: A edição de 2015 do FESTin correspondeu às expectativas relacionadas com o número de espectadores e da cobertura dos meios online e da imprensa profissional? O que consideras que funcionou melhor e pior na edição do ano passado?
RN: Sim, de uma maneira geral
penso que correu bem. De qualquer forma também foi uma edição muito
complexa, com mais de um espaço e várias mostras paralelas. Esse ano
investimos radicalmente numa racionalização da programação, até para
fazermos uma divulgação mais precisa e focada. Quanto à cobertura não
temos razões de queixa – o festival foi noticiado na maior parte dos
veículos.
RC: Como decorreu o processo de selecção dos filmes?
RN: Este ano recebemos um
número recorde de inscrições e alguns filmes da competição saíram deste
lote – assim como as obras que compõem todas as outras seções. A
competição de longas-metragens de ficção, a Mostra de Cinema Brasileiro e
o FESTin Arte, no entanto, foram compostas também através de um olhar
atento aos principais festivais de cinema do Brasil. Neste caso, o
Festival do Rio, por exemplo, tinha uma quantidade impressionante de
títulos e fomos atrás de alguns; o de Brasília contribuiu com dois e
“Ausência”, que tinha passado por Berlim, foi o grande vencedor de
Gramado.
RC: Nesta fase estamos na "época
alta" dos festivais e mostras de cinema, as distribuidoras chegam a
marcar catorze estreias para o mesmo dia, ou cinco visionamentos de
imprensa para a mesma data, ou seja existe uma torrente de obras
cinematográficas para o público e crítica ver, parecendo impossível
absorver tudo, ou pior do que isso, conseguir dar o devido valor a cada
filme. Tendo em conta este cenário relativamente caótico, como é que
consideras que o FESTin se pode posicionar para conseguir chegar quer ao
público, quer à imprensa? Basta uma boa programação ou também é preciso
ser certeiro na comunicação?
RN: Bom, os festivais têm a grande
vantagem de terem um público alternativo – justamente aquele que
procura filmes diferentes dos que estão disponíveis no cinema comercial.
Essa enorme quantidade de filmes lançados no mês de maio não ajuda esse
circuito, mas penso que não afecta os festivais. Quanto à imprensa, no
que se refere às notícias o festival não se ressente, pois recebe sempre
espaço depois do anúncio da programação e na véspera do arranque.
RC: O ano passado a programação
contou com surpresas, ou confirmações, bastante boas. Veja-se os casos
de "A Despedida", "A Vizinhança do Tigre", "O Rio nos Pertence", "Quando
eu era vivo", entre outros exemplos. Quais os principais desafios para
programar um festival que procura chegar a um leque alargado de público?
Conseguiram todos os filmes que pretendiam?
RN: O desafio é equilibrar-se
entre o acessível e o exigente – correndo sempre o risco de não agradar
a nenhum deles. Mas pelo retorno que tivemos do público no ano passado,
todos os filmes, mesmo aqueles mais experimentais, tiveram uma boa
acolhida. No entanto, houve uma exceção, o que nos fez ter isso em
mente.
De qualquer forma, não abrimos
mão de manter-nos fiel ao espírito dos festivais – de oferecer
propostas alternativas e experimentais. Uma das formas de enquadramento
foi a criação do FESTin Arte, mesmo contando com o quão vago e
abrangente o termo “arte” pode ser. Mas a competição está cheia de
títulos que desafiam o espectador, embora convivam com filmes de género.
Estes, no entanto, são maioria na Mostra do Cinema Brasileiro. Quanto
aos filmes que queríamos, conseguimos todos.
RC: O filme de abertura é "Cartas
de Amor são Ridículas", enquanto a fechar temos "Jonas", com o primeiro
a ser realizado por uma cineasta experiente e o segundo por realizadora
estreante em longas-metragens. Existiu essa procura de contrabalançar
entre a experiência e os novos rostos do cinema brasileiro? Quais as
razões para a escolha destes filmes para abrir e fechar o festival?
RN: Segundo a minha experiência
como alguém que percorre os festivais todos de Lisboa, as aberturas e
encerramentos funcionam bem quando são “feel good movies”. É isto que
estes dois filmes são – com o primeiro ainda a estabelecer um vínculo
interessante entre Brasil e Portugal, já que o título foi inspirado num
poema de Fernando Pessoa. “Jonas” é um filme bastante divertido, que tem
romance, policial, drama e aventura – tudo muito bem equilibrado pela
realizadora Lô Politi.
RC: Quer o "Cartas de Amor são
Ridículas", quer o "Jonas", quer o "O Touro", entre outros exemplos são
realizados por mulheres. Numa fase onde o debate sobre a igualdade de
oportunidades no Cinema (e não só) encontra-se cada vez mais vivo,
existiu essa procura de atribuir um destaque às vozes femininas do
cinema brasileiro?
RN: Na verdade foi coincidência, o
que prova que as mulheres vão cada vez menos precisando de
protecionismos, pois podem realizar filmes tanto quanto qualquer homem.
Não quero com isso tornar leviano o debate das reivindicações femininas.
O ano passado um filme realizado por uma mulher, “Que Horas Ela Volta”,
fez uma grande carreira internacional e a realizadora, Anna Muylaert,
queixou-se muito do enorme machismo da indústria. No nosso caso posso
dizer que foi uma feliz coincidência.
RC: O ano passado tiveram o "A
Vizinhança do Tigre" na secção de documentários. Este ano voltam a
apostar na docuficção, ou pelo menos, num filme que se parece esgueirar
entre os diversos géneros e fugir às catalogações fáceis, em particular
"O Touro". Existiu esse cuidado de apresentar uma visão da diversidade a
nível de documentários que existe no cinema brasileiro? Aproveitando a
deixa, o que podemos esperar de "O Touro"?
RN: A docuficção é uma das mais
fortes tendências dos grandes festivais internacionais dos últimos anos.
Veja-se o caso recente, para dar um pequeno exemplo, de “O Olmo e a
Gaivota”, novo trabalho de Petra Costa. O filme ganhou o prémio de
Melhor Documentário no Festival do Rio, mas traz, claramente, vários
diálogos e cenas inventadas para enquadrar o drama da protagonista.
No ano passado tínhamos “A
Vizinhança do Tigre” como representante deste tipo de registo, que tanto
pode competir em ficção quanto em documentário. Este ano dois filmes
enquadram-se na tendência – e ambos, cada um a sua maneira, são
surpreendentes. De um lado temos “O Touro”, que você cita, um filme que é
um documentário tradicional até um certo ponto, quando se transforma em
outra coisa… O caso de “Fome” é ainda mais desestabilizador, mas sobre
isso não digo nada para não estragar a surpresa.
RC: No caso do "O Touro", encontramos algo que parece marcar algumas obras do Festin, que passa por uma parceria entre Portugal e o Brasil. O "O Touro" conta com a Joana de Verona. A Beatriz Batarda encontra-se no elenco de "Beatriz". Podemos dizer que estes dois exemplos encaixam paradigmaticamente num dos objectivos do Festival, nomeadamente "Fomentar a interculturalidade, a inclusão social e o intercâmbio cultural nos países de língua portuguesa (...)"? Aproveitando ainda a temática do intercâmbio e da interculturalidade, consideras que os filmes oriundos dos países dos PALOP é um dos elementos fundamentais do FESTin?"
RN: Sim, certamente. Há outros
exemplos, como “África Abençoada”, que é uma produção portuguesa sobre
um ciclista da Guiné que viaja por vários países do seu continente. Já
em “O Outro Lado do Atlântico” vai-se ainda mais longe – relatando um
intercâmbio de estudantes provenientes de países lusófonos numa pequena
cidade brasileira. Certamente que a presença destes filmes é que define a
identidade do FESTin como um Festival de Cinema Itinerante da Língua
Portuguesa.
RC: Na Competição de
Longas-metragens, um dos filmes que mais tem dividido a crítica é "Mundo
Cão", realizado por Marcos Jorge. O Rodrigo Fonseca deu quatro estrelas
no Omelete e considerou "Mundo Cão": "(...) um
filme sólido, que consolida a trajetória autoral de Jorge e sua
parceria com Lusa em diálogos que traduzem brutalidade, inquietação e o
senso de revanche". Por sua vez o Pablo Villaça deu duas estrelas ao filme e salientou que "(...) a obra não consegue disfarçar sua falta de ambição ou mesmo sua covardia (...)". Como é que te posicionas em relação ao filme e aos trabalhos do Marcos Jorge?
RN: Bom, concordo com o Fonseca
(risos). Acho que o filme é um grande momento do cinema de género, com
um argumento magnífico e atores muito bem dirigidos – em especial Lázaro
Ramos como um vilão aterrador. A tensão está sempre no pico e há várias
cenas memoráveis.
RC: Outro dos destaques, ou muito
provavelmente, o maior destaque é a presença de "A História da
Eternidade", uma obra cinematográfica que foi recebida de forma calorosa
pela crítica. Podemos dizer que é um dos grandes destaques desta edição
do FESTin? Quais são as justificações para este sucesso junto da
crítica?
RN: Este filme tem sido
unanimemente considerado como um exemplo de união de rigor plástico e
técnico com emotividade. Há um trabalho de fotografia e arte magníficos,
para além dos atores de primeira linha – como o incontornável Irhandir
Santos.
RC: A secção "FESTin Arte"
permite englobar algumas obras cinematográficas destinadas a um público
que espera ser desafiado nas salas de cinema. Esse foi um dos objectivos
para a criação desta secção? O FESTin Arte é para continuar ou está
dependente do sucesso junto dos espectadores?
RN: Dias Gomes dizia algo como “se
não for para provocar, não vale a pena viver”. Bom, as palavras não
eram bem essas, mas o sentido é precisamente este: o FESTin Arte é como
entrar num outro mundo, numa outra perceção de cinema… é um desafio. E,
como tal, veio para ficar. É o caso de “Clarisse ou Alguma Coisa sobre
Nós Dois” – um desafio absoluto à sensibilidade do espectador.
RC: A FESTin Arte permite ainda
exibir a diversidade das produções cinematográficas brasileiras. Veja-se
que nesta edição do FESTin contamos com filmes como o "O Touro", ou
exemplos que se esgueiram quase para o género como "Mundo Cão", ou "A
Floresta que se move", para além de obras cinematográficas que contam
com um apelo mais alargado como "Cartas de Amor São Ridículas". Podemos
dizer que o cinema brasileiro (com todas as limitações que esta
designação envolve) vive um bom período?
RN: O cinema brasileiro vive um
excelente momento em termos de produção – sofrendo, como todos os países
que não os Estados Unidos, de imensas dificuldades na hora da
distribuição. E o FESTin tenta captar esse momento – trazendo obras de
género e de autor – e, principalmente, muitos trabalhos entre um e
outro. O bom cinema de género foi uma das apostas notórias da
programação – encontrar exemplares feitos com inteligência e emoção. Mas
trazer propostas ousadas é um dever de um bom festival.
RC: Sei que é uma pergunta
delicada para um programador, mas não poderia deixar de efectuar a
questão. Quais são os cinco filmes da edição de 2016 do FESTin que
aconselharias os leitores a não perderem por nada deste Mundo?
RN: Muito difícil, realmente.
Gosto de pensar que criamos uma competição de longas-metragens de ficção
de grande qualidade – de um modo geral.
RC: Em termos de júris, existe uma novidade este ano, que é o Júri Imprensa…
RN: Sim, é muito recorrente nos
festivais terem vários júris. Não acho que no FESTin, dada a nossa
dimensão, tais artifícios se apliquem, mas achamos que havia um espaço
para um júri especial, composto exclusivamente por quem vê o cinema do
ângulo da crítica. E tivemos sorte de construir um de alto nível – com
jornalistas que estiveram no comando das duas maiores revistas de cinema
de Portugal e da editoria de cinema num jornal de grande circulação.
Foi o caso da Sara Afonso (Empire), do Jorge Pinto (Premiere) e da Aisha
Rahim (jornal O Sol).
RC: Fazes parte da equipa de
programadores e assessores, mas também escreves em meios online como o
Sapo e o C7nema. Quais as principais diferenças entre os meios online e
impressos, ou imprensa online e escrita, naquilo que diz respeito à
cobertura do FESTin/festivais de cinema?
RC: A imprensa escrita costuma se
interessar por menos eventos e dedica-se, principalmente, a entrevistas e retrospectivas. No online faz-se de tudo! (risos). Talvez pela própria
rapidez de propagação que o online permite - para além de ser menos
efémero: um jornal impresso vai para o lixo no mesmo dia; no online as
críticas e artigos e ficam visíveis por vários dias, para além de irem
parar à uma base de dados que pode ser consultada depois.
RC: Este ano efectuaste a
cobertura da Berlinale. Para além disso, costumas ainda cobrir diversos
festivais de cinema nacionais. Essas experiências têm contribuído para o
teu trabalho como programador? Existe algum festival a nível nacional
que encares como exemplo a seguir a nível da programação e do
relacionamento com a imprensa?
RN: Bom, a Berlinale, tal como o
IndieLisboa e Lisbon & Estoril Film Festival, são festivais
dedicados, essencialmente, ao cinema de autor. Como jornalista claro que
gosto imenso de todos eles e o Festival de Berlim foi uma experiência
maravilhosa. Mas, como programador, penso que o FESTin está em melhor
sintonia com mostras como as dos cinemas Italiano e Francês, por não
trazerem apenas registos autorais mas também bastante espaço ao cinema
de género. E, normalmente, com excelente qualidade.
O Queer também costuma ter uma
seleção equilibrada e o Motelx não serve como exemplo para o FESTin,
mas serve para mim pessoalmente! Não só por ser fã de terror, mas por
também observar um raro trabalho de prospeção que eles fazem de obras
obscuras do cinema português.
Eu gosto de cinema como um
todo – na verdade o cinema com o qual ando com bem menos paciência é o
de Hollywood, com as suas fórmulas, suas pirotecnias para garotos e a
sua propaganda política grosseira. Talvez por isso goste tanto de
festivais. A nível de imprensa, gosto de todas as assessorias, como uma
desonrosa exceção… que obviamente não vou mencionar! (risos).
RC: O Cinema Brasileiro continua a
ser mal-tratado em circuito comercial (em Portugal). Veja-se o ano
passado a forma pouco criteriosa e praticamente despercebida como o "O
Lobo atrás da Porta" foi lançado. O 8 1/2 Festa do Cinema Italiano tem
conseguido distribuir alguns filmes que lança no festival. A pergunta
que te faço é se está no vosso horizonte conseguir que o FESTin se
expanda a esse ponto, ou seja, conseguir trazer e valorizar o cinema
brasileiro para o circuito comercial?
RN: Adoraria que o FESTin
conseguisse fazer isso. Talvez no futuro, quem sabe… De resto o cinema
brasileiro apenas com raras exceções é lançado por uma distribuidora que
o consiga colocar em salas de Lisboa e que faça um mínimo esforço de
divulgação. Na verdade só conheço uma – o resto é para queimar filmes.
RC: Última pergunta (que costuma ser a primeira). Expectativas para a edição de 2016 do FESTin?
RN: Espero que consigamos, com os
nossos poucos recursos, divulgar o FESTin o suficiente para que o
público apareça para a nossa melhor programação de sempre.
RC: Obrigado Roni Nunes pelo tempo despendido nas respostas às questões.
Sem comentários:
Enviar um comentário