Jia Zhangke
confirma-se cada vez mais como um dos realizadores de relevo no
panorama mundial actual, tendo em "A Touch of Sin" uma das
suas obras mais ambiciosas, voltando a utilizar os exemplos
individuais dos seus personagens para abordar questões mais latas da
China contemporânea, com um realismo nem sempre agradável de se
ver. Se as três primeiras longas de Jia Zhangke tiveram
primordialmente como pano de fundo a província de Shanxi, este logo
mudou para Pequim na sua quarta obra cinematográfica, "The
World", onde através de um parque temático, o Beijing World
Park, explorava as questões ligadas aos trabalhadores deste espaço,
cujas condições degradantes contrastavam com a artificialidade
latente das réplicas à escala dos monumentos famosos de vários
países. Diga-se que este olhar atento não se ficou por aqui por
"The World". Em "Pickpocket", a sua primeira longa-metragem, efectuada praticamente sem recursos e proibida no
seu país, este apresentava-nos um carteirista solitário que tinha
de lidar com as transformações da China, uma sociedade em ampla
transformação, mantendo-se numa luta algo quixotesca para manter os
seus valores e princípios, encontrando apenas a rejeição. Já em
“Platform”, a sua segunda longa-metragem, apoiada pelo Office
Kitano de Takeshi Kitano, mas proibida na China,
acompanhávamos as transformações sociais, culturais e económicas
deste país ao longo da década de 80, através de um quarteto de artistas ligados à música e
dança. Poderíamos ainda dar mais exemplos de outros filmes do
cineasta, mas parece ficar evidente através deste breve conjunto
citado que este tem uma enorme capacidade para apresentar uma certa
reflexão para as transformações da China, através de exemplos
particulares, algo que volta a acontecer em "A Touch of Sin".
Na sua mais recente obra
cinematográfica, Jia Zhangke apresenta-nos quatro histórias
aparentemente distintas, que têm em comum serem protagonizadas por
quatro personagens que são colocados no limite, revoltando-se contra
tudo e contra todos, cometendo actos brutais de violência, seja
contra os outros ou contra si próprios. Já não temos só a
representação das transformações sociais, económicas, culturais
e políticas da China, através de um conjunto restrito de
personagens, mas também encontramos a retaliação destes elementos contra o
sistema, como se vários dos protagonistas das obras anteriores de
Jia Zhangke tivessem soltado toda a sua dor e raiva contida através
do quarteto de "A Touch of Sin". A partir do momento em
que infligem violência semelhante à sofrida podemos continuar
apenas a considerá-los vítimas? Serão estes personagens
vítimas do sistema ou também eles culpados? Nada é linear em "A Touch of
Sin", com Jia Zhangke a procurar expor a crescente violência e
depauperamento de valores na China do seu tempo, onde não falta a
exposição de crimes, violência, mortes, prostituição e um
conjunto de personagens que chegam a um desespero tal que cometem
actos aparentemente loucos, mas que até foram baseados em factos
reais. Jia Zhangke importa-se com estes personagens, desenvolve-os
gradualmente, segue-os minuciosamente com a sua câmara de filmar
(muitas das vezes quando estes estão de costas, quase que nos
tornando seus seguidores), expõe as suas fragilidades e integra-os
no território. O futuro de todos estes personagens parece pouco
brilhante, algo exposto não só pelas narrativas subtilmente
ligadas, mas também pelas imagens em movimento, sobressaindo o
trabalho de fotografia imaculado, com os protagonistas a ficarem
muitas das vezes como os elementos em foco perante um cenário que os
rodeia praticamente desfocado, algo exacerbador da incerteza que os rodeia. Quem não perde o foco é Jia Zhangke,
que ao longo dos quatro segmentos apresenta-nos a quatro histórias
poderosas, que se desenrolam em quatro localidades distintas, das
quais sobressaem a primeira e a terceira, embora vamos tentar abordar
todas com a atenção que estas merecem.
Na primeira parte somos desde logo
colocados perante um acto de violência extrema, com Zhou San
(Baoqiang Wang), o protagonista do segundo segmento, a assassinar a
tiro dois elementos que o pretendiam roubar com machados. No entanto,
o protagonista do primeiro segmento é Dahai (Jiang Wu), um
trabalhador mineiro revoltado com a corrupção política e privada.
Dahai foi colega de Jiao Shengli, um indivíduo que enriqueceu com a
venda da mina, uma propriedade colectiva para o Grupo Shengli,
aproveitando os benefícios das mudanças económicas e sociais da
China, transformando-se numa magnata, que tem um carro topo de gama,
adquiriu um avião e é "benemérito" ao ponto de dar um
saco de farinha a cada um dos seus funcionários, que vão
alegremente recebê-lo num episódio que tem tanto de pomposo como de
deprimente, sobretudo se tivermos em conta que 40% das receitas desta
mina deveriam reverter para a aldeia, mas o paradeiro deste dinheiro
parece incerto. Como salienta um colega, se estivessem nos tempos da
Guerra, Dahai seria "um General", como não estamos este é
apenas um indivíduo revoltado, de poucas palavras mas de acção,
algo solitário, que pretende apresentar queixa ao Governo central,
mas acaba sempre por esbarrar na burocracia. Dahai ainda tenta a todo
o custo tirar do contabilista a confissão de que este, o chefe da
aldeia e Jiao são corruptos, mas perante a incapacidade de atingir
esse desiderato, que apenas o levou a conseguir problemas, tais como
ser brutalmente agredido pelos homens de Jiao, algo que o conduz a
ser ridicularizado publicamente, sendo chamado de "Sr. Golfe".
No limite das suas emoções, Dahai decide partir para a violência.
O protagonista deste segmento ainda tenta falar com a irmã, mas a
conversa revela-se infrutífera, com Dahai a decidir fazer justiça
com as próprias mãos e atacar o sistema que tem contribuído para
algumas das humilhações e injustiças que tem sofrido ao longo da sua vida.
Muitas balas são disparadas, muito sangue escorre, enquanto Jia
Zhangke não perdoa na brutalidade das mortes, expondo a sua dureza e
destacando o olhar de desespero do seu protagonista.
O que levará alguém a matar? Bem diz o
Papa Francisco I que "Esta economia mata", e os personagens
de "A Touch of Sin", pecadores por natureza ou ocasião,
bem o demonstram, protagonizando momentos emocionalmente poderosos,
marcantes e por vezes revoltantes, que não se ficam apenas por esta
intensa primeira parte. A segunda parte centra-se em Zhou San, um
trabalhador migrante, tal como boa parte dos protagonistas de "The
World", que regressa a casa nas vésperas de ano novo. Este
chega no dia do septuagésimo aniversário da sua mãe, embora não
pareça manter uma relação lá muito próxima com a progenitora e
os irmãos. Zhou venera os fantasmas, ocasionalmente utiliza um gorro
dos Chicago Bulls e procura sustentar a sua esposa e o filho à
distância, não tendo sequer um telemóvel para manter contacto.
Fora da casa desta, as crianças e até os adultos brincam com fogo
de artifício, mas quem está prestes a rebentar é Zhou, que tem
numa arma um objecto perigoso e no crime uma forma desesperada de
ganhar o dinheiro que não tem, encontrando na mesma um conjunto de
mórbidas e nefastas possibilidades que se prepara para colocar em
prática. Este fuma cigarros de marca Hope, mas a esperança não
parece chegar à sua vida. Zhou entra no mesmo autocarro que o
namorado de Xiao Yu, um homem casado que não parece disposto a
abandonar a mulher para ficar com a protagonista do terceiro
segmento. Interpretada com enorme intensidade por Zhao Tao, a musa de
Jia Zhangke e esposa do cineasta, uma actriz que integrou o elenco de
vários filmes do realizador (e recentemente surgiu magnífica em "Io
Sono Li"), Xiao Yu trabalha como recepcionista de uma sauna, cujos
serviços prestados a alguns clientes passam por muito mais do que
massagens. Esta procura manter-se fiel aos seus princípios,
dormitando nos quartos do edifício do seu emprego, afastando-se do
homem amado, que lhe deixa uma faca devido a este objecto não poder
entrar no comboio, um objecto que mais tarde terá outra utilidade,
num conjunto de cenas a evocar os wuxia (o próprio título do filme
remete para "A Touch of Zen", um wuxia realizado pelo
lendário King Wu, embora a inspiração seja mais metafórica do
literal).
Por fim, temos ainda a história tocante
do jovem Xiao Hui, interpretado pelo estreante Lanshan Luo. Este
trabalha numa fábrica têxtil de Guanghzou, sendo obrigado pelo seu
chefe a dar o ordenado ao seu colega até este sair de baixa, devido
a ter contraído um acidente enquanto conversava com o protagonista.
Perante esta situação, Xiao vai para Dongguan, uma cidade da
província de Guangdong, onde um amigo lhe arranja emprego num hotel,
no qual as empregadas femininas prestam todo o tipo de serviços,
entre os quais sexuais. Aqui entramos outra vez no campo de "The
World", com o cineasta a utilizar a opulência do hotel para
expor a degradação daqueles que por lá habitam, com Lianrong
(Vivien Li), o alvo do interesse do protagonista deste segmento, a
ter de se prostituir para sustentar a filha, ainda criança, enquanto
na fachada tudo parece ser opulento. Esta não é uma representação
lá muito agradável de se ver, com Xiao Hui a ter de lidar com
adversidades várias, incluindo uma família que não o pode ajudar,
vivendo numa sociedade que oprime as possibilidades deste vencer na
vida, algo para o qual este também contribui. No fundo Hui é um dos
protagonistas que podemos entroncar noutras obras de Jia Zhangke,
cujas alterações na sua sociedade influem e muito na sua agenda,
embora este reaja de forma algo trágica. Muitas das vezes associado
à sexta geração de cineastas chineses devido à atenção dada aos
personagens à margem da sociedade, mostrando uma versão menos
apolínea da vida citadina, das transformações da sociedade chinesa
e da globalização, Zhangke revela-se um nome a ter muito em
atenção, enquanto efectua um retrato duro, intenso, marcado por
momentos de enorme tensão emocional, da China do seu tempo. Este não
poupa na representação da violência, tendo adaptado casos reais
para ficção (não faltando até a representação do caso do choque
de comboios de alta velocidade ocorrido em 2011), dotando a história de um argumento
coeso e uma narrativa bem estruturada, que começa desde logo por nos
dar uma pancada inicial com o violentíssimo primeiro segmento.
Ficamos com temáticas muito próprias
da China contemporânea, é certo, mas também com problemas que até
podem ser extrapolados para o caso mundial, com o cineasta a expor as
disparidades sociais (os ricos cada vez mais ricos e os pobres a disputarem migalhas), as condições
laborais degradantes de alguns locais, deixando-nos perante a revolta
destes personagens solitários, que se revelam como guerreiros
solitários dos seus tempos. Estes até poderiam ser guerreiros dos
wuxia, mas na verdade são apenas humanos comuns, cujas opções para
enfrentarem as adversidades estão longe de um bailado com espadas e
acrobacias extraordinárias, embora o que seja mesmo notável é como
estes acumularam tanta tensão e violência ao longo de tanto tempo.
O cineasta não defende a violência, mas também não a condena,
colocando "em cima da mesa" um tema que até tem estado
bastante na ordem do dia em Portugal que passa por estas crises
económicas e de valores, bem como as discrepâncias sociais
acentuadas poderem gerar revoltas e violência num mundo em mudança,
no qual essas alterações nem sempre parecem prever e preservar o
factor humano e os seus direitos. As transformações sociais e
económicas da China fizeram parte de trabalhos anteriores de Jia
Zhangke, com este a apresentar um retrato muito seu dos problemas do
seu país. Uma dessas obras que entroncam em "The Touch of Sin"
é "The World", com o cineasta a abordar questões ligadas
com os trabalhadores migrantes, prostituição e degradação moral,
sendo que a opulência do hotel do quarto capítulo e o seu
degradamento moral interior fazem recordar e muito o parque temático
dedicado a turistas da quarta longa-metragem do Zhangke. Neste
tínhamos um conjunto de monumentos históricos de vários países,
tais como a Torre Eiffel, a Torre de Pisa, as Pirâmides do Egipto,
representados à escala e para os turistas, mas Jia interessou-se sim
pelos habitantes deste espaço, que, ironicamente, se laborarem no
mesmo toda a vida nunca poderão um dia visitar os mesmos nos países
aos quais estas representações pertencem. Estes trabalhadores
poucas condições e opções têm para a sua vida, com o lado negro
dos "milagres da globalização" e até do capitalismo a
serem expostos. Podemos ainda recordar "Pickpocket", onde o
livre mercado permitiu que indivíduos como Jin Xiao Yong, antigos
criminosos, até se tornassem cidadãos respeitáveis, uma situação
que encontra paralelo com o primeiro segmento do filme, onde Jiao
prospera.
Se Jiao prospera, já Jia Zhangke
sobressai naquela que é a sua obra mais ambiciosa do ponto de vista
narrativo e até de recursos. Veja-se que as quatro histórias se
desenrolam em quatro locais distintos, tendo sido filmadas nos mesmos, sendo
aproveitada a simbologia e especificidades destes territórios. O
primeiro segmento tem lugar em Shanxi, província de nascimento do
cineasta e local primordial dos seus três primeiros filmes. Este local rural
é palco de corrupções várias, trabalhadores mineiros e mortes,
onde o imponente Wu Jiang brilha, bem como a estátua de Mao
Tsé-Tung, sempre muito presente, ou não estivéssemos perante uma
China bem distinta daquela do tempo do carismático líder. O segundo
segmento desenrola-se em Chongqing, uma província localizada no
interior da China, cujos territórios rurais surgem expostos ao longo
do filme, não faltando a presença de um indivíduo a cortar o
pescoço de um pato e a colocar o sangue num recipiente. Diga-se que
a presença e a violência sobre os animais é algo comum ao longo do
filme, ficando particularmente na memória uma cena em que Xiao Yu
está junto de cobras (menos ameaçadoras do que alguns humanos) e
acima de tudo quando um cavalo é violentamente espancado pelo seu
dono. Esta cena do cavalo é particularmente chocante, existindo uma
certa alegoria pelo cavalo que procura resistir à pancada e os
protagonistas, com este a vergar ocasionalmente, mas a resistir,
enquanto o quarteto humano até retalia e promete ser bem mais feroz
do que o equídeo. Temos ainda presente o símbolo do tigre no
primeiro segmento, com o enredo a explorar a presença de vários
animais do Zodíaco chinês e a sua simbologia ao longo das quatro
partes, numa obra onde tudo parece ter sido pensado ao pormenor. A
terceira história desenrola-se em Hubei, uma cidade no centro da
China, um território exposto desde o seu comboio, passando pela
sauna e os vários edifícios urbanizados, que contrastam com os
segmentos anteriores. Por fim, mas nem por isso menos importante, o
quarto segmento desenrola-se em Dongguan, uma cidade no sul da China,
descrita pelo realizador como uma zona de livre mercado, onde é
notório o investimento estrangeiro, algo visível na fábrica têxtil
de uma companhia de Taiwan e os clientes deste mesmo local que
frequentam o estabelecimento de "convívio" onde trabalha
Xiao Wui.
Temos assim um retrato de Norte a Sul da
China, sendo demonstradas as distintas localidades do país e os
diferentes dialectos, mas também os mesmos problemas de opressão
pelos quais passam os diferentes personagens. Através das histórias
destes personagens, a narrativa apresenta-nos a problemas da China
contemporânea, tais como a corrupção, o crime, as dificuldades dos
trabalhadores migrantes, num país cujas transformações têm sido
dolorosas para alguns personagens. Jia Zhangke quer traçar um
retrato global da China e não o esconde, uma situação bem
representada nas suas notas no dossier de imprensa, onde este salienta: "China is
still changing rapidly, in a way that makes the country look more
prosperous than before. But many people face personal crisis because
of the uneven spread of wealth across the country and the vast
disparities between the rich and the poor. Individual people can be
stripped of their dignity at any time". O cineasta explora
assim os conflitos dos seus quatro personagens com a sociedade que os
rodeia e consigo próprios, mostrando as suas personalidades
vincadas, sempre sem procurar dar grandes lições de moral ou
desfechos prontos a deixarem-nos bem connosco próprios. Bem pelo
contrário. "A Touch of Sin" por vezes arrasa-nos
emocionalmente, inquieta-nos, deixa-nos a sentir-mo-nos mal pelos
seus personagens e é capaz de gerar uma reflexão que vai muito para
além de um grito de alerta para aquilo que se passa na China e no
Mundo. É a interpretação efectuada por Jia Zhangke sobre estes problemas, é certo, mas não deixa de ser um bom ponto de partida para reflectirmos sobre os mesmos, com as quatro narrativas a não deixarem grande espaço para a indiferença. Estas histórias são expostas por vezes num tom documental,
com Zhangke a mesclar actores profissionais e amadores, enquanto nos
conduz pela China, expondo os efeitos das evoluções e regressões
do país ao longo do tempo, tendo por vezes como fonte de inspiração
os wuxia, ou não tivessem estas obras também como temáticas a luta
contra entidades opressoras.
A certa altura do filme, podemos ouvir
numa opereta: "Sabes qual é o teu pecado?" Provavelmente
nenhum dos protagonistas será capaz de apontar paradigmaticamente os
seus pecados. Conseguiremos nós distinguir a linha que separa as
vítimas e culpados em "A Touch of Sin"? Serão vítimas ou
culpados das situações em que se encontram? Jia Zhangke desenvolve
as histórias gradualmente, dando tempo a cada personagem e os seus
relacionamentos serem estabelecidos, explorando pelo caminho o meio
que rodeia cada elemento até finalmente os colocar perante o
desespero. Todos os personagens têm o seu "toque de pecado",
mas também é indesmentível que todos surgem como fruto da
sociedade e cultura do seu tempo, sendo levados a situações
extremas, destacando-se desde logo Dahai, que protagoniza momentos de
violência que fariam Takashi Miike sentir-se orgulhoso, entrando numa
fúria difícil de sair da memória. Esta não é uma violência
gratuita, mas sim sentida, exposta com alguma poesia, onde as balas
entram pelos corpos e o fumo exala dos mesmos, após penetrarem na carne, como se representasse as almas que se
soltam dos restos mortais, num conjunto de momentos morbidamente poéticos. A assertividade com que a história é apresentada surge
acompanhada por uma banda sonora a rigor, marcando os ritmos da
narrativa, comprovando o excelente trabalho de Gion Lim, o mesmo que
efectuou um trabalho marcante em "Millenium Mambo" de Hou
Hsiao-hsien e colaborou com Zhangke em "The World", "Still
Life", entre outras obras. O nome de Hsiao-hsien pode e também
deve ser ligado às obras de Zhangke. Boa parte das obras de Hou
Hsiao-hsien abordam questões ligadas com a história e as
transformações em Taiwan, representando as mesmas através dos seus
personagens, de forma subtil e até elíptica (veja-se os brilhantes
"A City of Sadness", "Three Times", entre
outras obras).
Já Zhangke também não foge a
apresentar uma reflexão sobre as transformações sociais,
económicas e culturais na China do seu tempo, algo
paradigmaticamente representado em filmes como "Platform",
onde parecia que estávamos perante uma obra do mestre Hou, não
faltando alguns planos longos e uma representação dessas alterações
através de um grupo de personagens restrito, numa narrativa
elíptica e marcante. No caso de "A Touch of Sin" Jia Zhangke parece
querer que os seus personagens coloquem "a mão na massa" e
expressem a sua revolta, expondo as consequências destas alterações
abruptas na China e colocando-nos perante quatro histórias
protagonizadas por quatro personagens bem construídos. Outro dos
grandes méritos de "A Touch of Sin" passa exactamente pela
sua capacidade de nos apresentar personagens com quem nos importemos,
com personalidades vincadas, figuras solitárias, quase espectrais,
que em algum momento enfrentam a rejeição e lidam com as transformações do seu país, uma nação que apresenta um crescimento algo desigual, cujos efeitos são sentidos pelos protagonistas e rechaçados por estes com alguma ferocidade. A violência não é
gratuita, a morte não é banalizada e desvalorizada, mas sim colocada em confronto com a vida, aquelas vidas
que se revelam por vezes madrastas e complexas, com Jia Zhangke a deixar-nos a
reflectir sobre as temáticas apresentadas e os seus personagens, abrindo espaço para a reflexão sobre os seus actos e atitudes. As
histórias foram baseadas em três casos de assassinato e um suicídio
ocorridos na China, que Jia Zhangke resolveu adaptar para o grande
ecrã, não descurando o passado literário e cinematográfico do seu
país e colocando em prática um filme intenso e marcante que nos deixa
perante uma das obras cinematográficas mais relevantes a estrear
comercialmente em Portugal no ano de 2013.
Classificação: 5 (em 5).
Título original: "Tian zhu ding".
Título em inglês: "A Touch of Sin".
Título em Portugal: "China - Um Toque de Pecado".
Realizador: Jia Zhangke.
Argumento: Jia Zhangke.
Elenco: Zhao Tao, Jiang Wu, Wang Baoqiang, Lanshan Luo.
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